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  • Foto do escritorBia Penha

como foi perder você


como foi perder você

Cansada do trabalho, eu preparava mais uma mochila para passar uma noite no hospital. Estava acostumada, embora não deveria ter normalizado isso. Mas quando se passa sábados lendo livros no sofá gelado enquanto ela dorme profundamente com remédios na veia; quando o seu primeiro bom dia é de uma enfermeira às três da manhã; quando a sopa sem sal vira o seu jantar, você acredita que aquilo faz parte da sua vida.


E faz. E fez. E fiz.


Fiz memórias com minha mãe na praia, onde costumávamos passar as férias, entre

castelos de areia, pastéis de vento e estrelas cadentes quando a noite chegava. Fiz

memórias quando dava carona para uma amiga e ela fazia cara feia só pra implicar. Fiz memórias quando ela chegava com uma mochila e uma lancheira nova no meio do semestre e sorria com meu sorriso; nas festas em que ela organizou, nas lembrancinhas que costurou, nos sonhos que prometeu, e cumpriu. Fiz memórias nas nossas idas ao salão, nas mentiras que contava para desconhecidos sobre como perdeu uma das pernas, e memórias dormindo olhando ela sentir o pé fantasma. Fiz memórias que ninguém irá me tirar porque eu sou parte dela e ela, parte de mim.


Se eu soubesse que seria em um domingo a última vez que iria vê-la, teria passado todos os domingos da minha vida ao seu lado. Se soubesse que naquela tarde seria a última vez que beijaria a sua mão, tão macia, teria passado todas as tardes da minha vida dando beijos e mais beijos nela. Se soubesse que a última palavra que eu diria seria “tchau”, teria substituído por um “teamo”. Se eu soubesse que ela não iria ficar, nunca teria partido.


Se eu soubesse.

Se.


Foi numa terça-feira de céu azul e muita lágrima que eu perdi minha mãe. Ela, que esteve incontáveis vezes internada em hospitais, agora faria incontáveis vezes parte dos meus sonhos. Há quase três anos, minha nova rotina passou a se chamar saudade, com olhos que ainda insistem em marejar sempre que escuto o seu nome.


Eu nunca terminei de arrumar aquela mochila.

Mãe, eu nunca deixei de sonhar com você.

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