Uma celebração à amizade feminina, por Beliza Coelho
“Amiga, você é minha guarita no coração”, começa Céu, em sua mais nova canção lançada. Numa verdadeira ode à amizade feminina, a artista brasileira compõe sobre esse apoio mútuo entre mulheres. Na letra, traz a amizade como um refúgio seguro, como um lugar onde podemos nos nutrir de sentimentos que nos recompõem diariamente e fazem a manutenção necessária para seguirmos “gerando na alta”, expressão que não só dá nome à faixa como comunica sobre o estado de superação e crescimento contínuo impulsionado pela força que uma oferece à outra.
O ano é 2024. Seguimos mais lúcidas quanto à necessidade de sermos cuidadas tanto quanto cuidamos, mas ainda um tanto quanto inebriadas a essa comunidade patriarcal, que nos impõe goela abaixo variados entretenimentos onde nos doutrinam a amar e priorizar homens que não cuidam bem nem de si mesmos.
Veja bem, este não é um manifesto público contra os homens, mas reconheçamos que, entre tantos outros, no quesito acolhimento e cuidado, definitivamente não estamos em pé de igualdade. A discussão, do presente ao passado, atravessa camadas profundas e atinge a primeira infância, onde crianças aprendem brincando que meninas cuidam e meninos dirigem, jogam ou lutam.
O tempo passa, o feminismo nos dá mais voz e nós, mulheres, começamos a conquistar mares antes nunca navegados. Lideramos empresas, conquistamos não só o direito a voto como cadeiras e cargos políticos, chegamos a pódios olímpicos através de esportes nunca antes explorados. Conhecemos novos territórios viajando sozinhas, nos tornamos grandes executivas, donas do nosso próprio dinheiro e destino.
Porém, seguimos gerando os filhos da nação e nos responsabilizando, predominantemente, não só pelo cuidado deles como da casa e da relação. Uff! Todas essas novas e maravilhosas oportunidades nos fizeram dar saltos importantes, mas a sobrecarga é enorme e se, em uma relação "romântica", não temos com quem dividi-la, seguiremos nos adoecendo, física, espiritual e emocionalmente.
E aí então que elas chegam. Sempre elas! Abrem suas casas, seus braços, seus colos e nos trazem um chá com bolo, junto com a pergunta: E você, amiga, como tá? Como é lindo o amor entre mulheres! A escuta atenta, as identificações das vivências do corpo, a disponibilidade de troca, o afeto doce, o aprendizado e descoberta também de nossos próprios limites, a certeza da presença, mesmo que à distância, e essa pulsação generosa e abundante entre dar e receber.
Segundo Bell Hooks, escritora norte-americana, “amizades longas e profundas são o lugar onde muitas mulheres conhecem o amor duradouro.” Já outra escritora e também psicanalista, Ana Suy, afirma que “a amizade é o amor que deu certo”. Citadas e aclamadas, estas duas pensadoras nos trazem luz a um olhar mais maduro para o amor, nos trazem também a oportunidade de observar e valorizar aquelas que nos acompanham tanto nos fundos quanto nos rasos dos mais diversos poços que a vida nos apresenta.
Eu poderia citar milhões de histórias onde o amor foi ação e revolução nas minhas relações de amizade e realmente acredito que merecemos este abraço convicto de que não há amor mais harmonioso do que aquele que nos acolhe entre luzes e sombras. Merecemos que nossos corpos sejam presenteados com um fluxo mais equilibrado de troca e que o tempo e suas memórias sirvam para intensificar ainda mais essa alquimia perfumada, que chamamos de amizade feminina.
Apesar de acompanhar (e amar) o trabalho da Céu, essa canção eu recebi da Clá, uma amiga dessas que chamamos também de irmã na tentativa que o vínculo se estenda para algo ainda mais íntimo e quase um pouco sanguíneo. Para essas irmãs de alma, sublinhamos o vínculo para que seja possível reafirmar e então não desmerecer um laço tão forte, mas um tanto quanto banalizado socialmente.
Após escutar a canção, como mulher vivente, me peguei agradecida por conseguirmos enfim reverenciar esse sentimento tão pouco falado e valorizado nas produções artísticas. “Vem se ver daqui”, diz Céu nos mostrando que tem perspectivas de nós mesmas que, muitas vezes, só uma boa amiga para apontar e nos relembrar.
Vivas seguimos, desejando todos os dias “gerar na alta” com nossas amigas ao lado.
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