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  • Foto do escritorAdriana Dieuzeide

mais fácil é não sentir


Amelie Poulain

Eu amo a palavra sensibilidade. Mas isso é novo. Por muitos anos, achei que tinha muito mais a ver com fraqueza, vulnerabilidade e uma pegada de ilusão do que tudo o que acho que ela significa hoje.


Pra mim, as tão faladas empatia ou sororidade são todas sobre sensibilidade. Mas talvez ela não tenha o mesmo peso. Sensibilidade não é pra ter peso, é pra ser leve, ser fluido, até pra dar aquela dorzinha (o que eu quero chamar de dor bonita).

Sempre ouvi me dizerem que eu sou sensível demais. Que não dá pra se abalar tanto diante das coisas, que não é saudável sentir tanto. "Controla os sentimentos", "cuidado pra não sofrer demais" são frases que eu escuto desde novinha e que nunca deixaram de bater forte em mim. Nessa eu finjo normalidade, escondo, engulo e às vezes dou pouca bola pro que vem de dentro. Mas o que é dentro, insiste em estar ali.


Até que aos poucos a vida foi me endurecendo, mas, ao mesmo tempo, me mostrando como é incrível ser sensível. Como é bonito e é pra poucos. Como é preciso ser forte pra dar conta de tanto mundo, tanta beleza, tanta injustiça, tanta causa, tantas expectativas, tanta dor, tanta gente. Tanta gente que pede um olhar sensível e nada além disso. E quando o tanta gente é a gente mesmo? Que muitas vezes precisa só sentir, sentir com o coração, sentir com auto compaixão.


Com a vida percebi o quanto que a sensibilidade conversa com os valores, com o que vem de casa, com o que as experiências ensinam, de novo, com o que vem de dentro. Falo aqui sobre se deixar tocar, se comover. Acontece de formas diversas, mas num momento em que, a cada dia, somos mais e mais ensinados a não sentir, ter a capacidade de enxergar e dar espaço pra sensibilidade é quase um ato de teimosia. Entendo: se a gente se comover com tudo e qualquer coisa, fica difícil lidar com o mundo.


Mas quem disse que tem que ser fácil?

Como vai ser prático lidar com esse tanto de coisa?

Mais fácil é não sentir, não olhar, melhor nem saber. Mais fácil é aceitar, criar uma casquinha, usar umas máscaras. Há quem prefira assim. Aliás, muita gente se dá muito bem assim. Outros, cada vez que tentam ser essa pessoa, sabem que não são essa pessoa e ficam felizes por não serem essa pessoa.


Trabalho bem próximo do setor de recrutamento e seleção em uma empresa. Vejo os psicólogos bastante preocupados com as conclusões tiradas por testes psicológicos, postura nas entrevistas, apresentação.


Vejo muita conclusão sendo tirada por meio de uma conversa ao telefone, de um pedaço de papel com as experiências profissionais. Não quero ser Pollyana, sei que a vida real é assim, especialmente nas empresas. Estes setores também têm metas, prazos e um tanto de exigência. Mas mesmo há quatro anos convivendo com aquilo, de fora, ainda me sensibilizo quando me pego escutando alguma destas conversas.


Eles brincam dizendo que, se eu fosse do setor, iria querer contratar todo mundo. Não é esse o ponto! Quem sou eu pra falar sobre os processos seletivos, pra dizer que é fácil selecionar pessoas? Só que eu sinto! Sinto e reafirmo a importância de manter este olhar sensível. São pessoas, histórias, expectativas. Como reduzir tudo isso num laudo conclusivo sobre alguém?


Sentir é um exercício.


Se começo a achar a vida dura, se deixo as coisas acontecerem sem enxergar o bonito ou o triste delas, procuro logo algo que me toque. Não é sempre emocionante, a gente se acostuma com tanta coisa... Por isso é um exercício. Procuro por "filmes para chorar" no Google, assisto mil episódios de "Chegadas e Partidas" e "O nosso amor a gente inventa", pedindo logo por um amor platônico. Ouço uma música que faz os cabelinhos do braço arrepiarem. Os cabelinhos do braço arrepiarem: há quanto tempo isso não acontece?

Hoje a sensibilidade é, pra mim, uma das características mais bonitas nas pessoas. Hoje eu busco sensibilidade nos outros e crio uma conexão diferente com eles, quando eu percebo. Se não percebo, também sinto. E da mesma forma como, hoje, sensibilidade não tem nada a ver com vulnerabilidade, a meu ver, também não tem relação com fofura demais, inocência, falta de pé na realidade (a pisciana falando), como às vezes a gente relaciona.


Dá pra sentir muito e seguir firme. Às vezes acontece.


Pra mim, sensibilidade é um incômodo muito grande quando vejo um momento político como esse, quando olho para as pessoas em situações difíceis e quando realmente dói uma injustiça. Mas é também quando um pôr do sol emociona, é o que me faz assistir quarenta vezes "A Família Bélier" e terminar pensando "como a vida é incrível", ao escutar a música no final. É o que me fez chorar em todos os episódios de "Please Like Me", desde os mais engraçados até os mais difíceis, com questões de suicídio, homossexualidade e solidão.


Sensibilidade é sentir uma música lá dentro, fazendo os olhos marejarem. É ver gente fazendo bem pro mundo e sentir um abraço no coração. É ler aquele texto que parece que está conversando com a gente. A sensibilidade emociona, inspira, alimenta.


Mais fácil é não sentir, mas a sensibilidade é tão melhor!


O exercício:



A Família Bélier (2014): o filme todo é demais, mas essa cena sempre me emociona.


A música se chama Je vole.



Please Like Me: série australiana de 2013. Tá no Netflix!



O nosso amor a gente inventa, do canal da Sarah Oliveira.


Esse programa tem uma história mais bonita que a outra e é pra lembrar que todo amor, inventado ou não, vale a pena! <3

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