Ser artista visual e designer em uma cultura ainda repleta de estigmas sobre o que é ser mulher e como isso é representado me faz confrontar diariamente as questões que fundamentam as práticas do ofício.
Em um mundo multimidiático, onde peças audiovisuais nos atravessam cotidianamente, há de se pensar no modo como o que consumimos é criado. A teoria crítica, a sociologia e a psicanálise, entre outros campos acadêmicos, nos oferecem algumas ferramentas para aprofundar a reflexão.
O gaze, por exemplo, é o ato de ver sendo visto.
Já o termo female gaze é uma resposta ao male gaze, conceito cunhado pela crítica feminista Laura Mulvey em 1975. Na medida em que o male gaze nomeia a hegemonia da perspectiva masculina em obras audiovisuais, o female gaze identifica a reivindicação das mulheres em papéis centrais na produção de narrativas.
Mulvey relacionou o male gaze à escopofilia, o desejo de obter prazer ao observar. A pensadora vai além e afirma que há o prazer em definir o lugar das mulheres como meros objetos que existem para serem vistos, incapazes de olhar de volta.
Com a crescente atuação de nós, mulheres, no mercado de trabalho, surgiram mudanças na forma como somos vistas e vemos o mundo à nossa volta. Em 2012, a pornógrafa Erika Lust ganhou visibilidade produzindo e dirigindo filmes pornô abertamente feministas.
Erika se destaca pelas belas imagens e pela atuação espontânea focada no prazer feminino.
“A indústria pornô é completamente dominada por homens. O pornô era uma reação a uma sociedade conservadora, aí a tecnologia dos anos 80 chegou. De repente todo mundo tinha uma câmera em casa, então os caras que gerenciavam os clubes de striptease decidiram ‘filmar as garotas’. Eles começaram a ganhar dinheiro com isso, e queriam fazer ainda mais dinheiro, aí foram ficando mais e mais nojentos”, diz sobre a repulsa que a pornografia mainstream causa na maior parte das mulheres, “Nunca foi uma questão de sexualidade, e com certeza nunca foi algo a respeito da sexualidade feminina, as mulheres eram apenas objetos”.
Os novos paradigmas midiáticos possibilitam uma produção de conteúdo mais horizontal e diversa, de modo que assuntos e produtos tradicionalmente retratados pelas mesmas organizações ganharam novos pontos de vista.
Broccoli é uma revista independente de mulheres para mulheres, cuja criação foi possibilitada pelo surgimento da indústria canábica nos EUA. Distribuída gratuitamente, a ideia da publicação é oferecer uma nova forma de olhar para quem usa maconha.
Acompanhando o trabalho dessas mulheres, pode-se perceber como o female gaze está transformando os processos de produção e os resultados, além das próprias relações de trabalho, que estão ficando mais éticas para as mulheres.
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