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  • Foto do escritorRaisa Vital

A criatividade foi sequestrada pelo algoritmo


algoritmo instagram

Esses dias a @mourajo brincou em uma de suas legendas no Instagram que estava rindo na cara do perigo ao postar fotos de seu final de semana e não um compilado de pequenos frames dele, em um Reels. Ainda fez a ressalva de que no dia seguinte ia compensar com um vídeo para recuperar o alcance perdido. Essa piada/desabafo reflete a realidade da vida dos produtores de conteúdo há um bom tempo: a pressão para postar vídeos com o declínio generalizado de engajamento nas fotos. O que, por sua vez, tem gerado um efeito manada nos criadores que buscam a relevância.



A relevância está cada vez menos relevante?



“A mídia social não é apenas um reflexo da natureza humana. É uma força que define a natureza humana, por meio de incentivos à maneira como os produtos são criados." (Sarah Frier, em 'Sem Filtro').


Se você abrir agora a aba de Reels do Instagram, provavelmente vai se deparar com as mesmas coisas. As mesmas músicas, os mesmos áudios, os mesmos formatos, desafios e dancinhas. A repetição e a massificação dos conteúdos são estimuladas pelo algortimo que favorece a descoberta de vídeos que usam músicas e áudios que estão em alta. Segundo estudo conduzido pelo Hootsuite, Reels analisados que continham músicas em alta obtiveram maior número de visualizações, curtidas e comentários do que outros que utilizaram sons diferentes.


O próprio funcionamento da ferramenta favorece isso: se você clicar na faixa usado pelo criador, poderá explorar outros vídeos que mostram o mesmo áudio, então é natural querer usar essa faixa para ser descoberto dessa forma. Inclusive, recentemente o Instagram liberou o recurso de 'usar modelo' que até então estava em fase de teste, permitindo aos criadores produzirem vídeos de Reels a partir de materiais já existentes, replicando a mesma fórmula - de novo e de novo.



E aí caímos em uma questão existencial para quem precisa vender ou influenciar na rede: eu jogo conforme as regras ou faço do meu jeito? É uma dinâmica cíclica e ingrata: o crescimento dos vídeos e das músicas usadas é influenciado pelos criadores que estão sendo "forçados" a postá-los, não porque querem, mas porque estão dizendo que é a única forma deles crescerem. E, consequentemente, o Instagram vai aumentando seus esforços de fortalecer esses formatos.


A ansiedade generalizada causada por isso até se transformou em movimento. O "Make Instagram Instagram Again" conseguiu que a plataforma interrompesse os testes de exibir os posts em tela cheia, como seu concorrente, e que anunciasse uma diminuição das recomendações de conteúdo no feed. Porém, o CEO Adam Mosseri afirmou que os vídeos continuam sendo o futuro da plataforma. Estamos trilhando um caminho irreversível para o Instagram, que por sua vez é a fórmula do sucesso do Tiktok.



Porque o algoritmo é bem aceito no Tiktok e não no Instagram?



Durante seu período de ascensão, as comunidades de criadores encararam o Tiktok como um local de experimentação, um berço de novas tendências, onde eles podiam ter liberdade de criação, enquanto mantinham conteúdos "reféns do algoritmo" no Instagram, uma plataforma já consolidada. No Tiktok existe um comportamento contrário ao da rede ao lado: o algoritmo trabalha para agradar mais aos usuários do que a necessidade dos usuários agradarem ao algoritmo. Não há preocupação com horário de postagem e número de likes nessa rede social que se transformou em uma rede de recomendação.


A rede social tem por fundamento a distribuição do conteúdo garantida para a nossa rede de amigos e embora isso seja uma vantagem para quem tem muitos seguidores, também pode ser uma desvantagem na medida em que um conteúdo ruim ou problemático pode ser compartilhado com facilidade enquanto um conteúdo de qualidade pode não encontrar um público de relevância. E é essa fraqueza que o Tiktok soube aproveitar.


Em sua rede social muito voltada para recomendação, o principal fator de distribuição de conteúdo é por meio de algoritmos definido pela plataforma e adaptado especificamente ao usuário que está consumindo conteúdo. A distribuição é otimizada para o engajamento e vence o melhor conteúdo para cada consumidor. A ferramenta caiu como uma luva para as Gerações Z e Alpha, naturalmente mais exploradoras, do que para os Millenials que encontram dificuldades nessa fluidez.


Ao adotar a tiktokificação da sua rede, o Instagram irrita seu maior público que gostava de receber posts de seus amigos, ao invés de celebrar sua maior vantagem, a de ser a maior rede social do mundo. É também no algoritmo de recomendação que está o cerne da questão massificadora de conteúdo, pois cabe às plataformas o poder de decidir o que é popular, já que são elas que mantêm o poder de programação sobre o que é visto e quando.


O algoritmo é entendido como o tomador de decisão final sobre o que ganha força e o que não ganha. Como engajamento gera mais engajamento, voltamos ao problema cíclico do fast content, que determina as tendências do momento.


Novamente é um fenômeno que funciona melhor no Tiktok, pois a rede garante um oceano de conteúdo nichado que acaba sendo melhor distribuído, enquanto o Instagram acaba recebendo um conteúdo reaproveitado do Tiktok em uma escala bem menor e portanto mais repetitiva. Então, voltamos a nossa pergunta do começo: vale a pena ser escravo do algoritmo e seguir as tendências ou vale mais ser autêntico, com o perigo de não ser visto?



Os perigos do sequestro pelo público



Ceder ao feedback do público é uma força irresistível, até mesmo inconsciente. O desejo de desempenhar um papel que acreditamos que as pessoas esperam de nós é um comportamento que não se limita ao ambiente virtual, mas que encontra terreno fértil nos likes, comentários e compartilhamentos. E quando esse feedback recompensa traços mais extremos de nossas personas, tendemos a nos recalibrar de acordo, nos tornando caricaturas de nós mesmos.


Somos sequestrados pelo público. Embora possa parecer uma decisão de negócios, a escolha de se adequar às tendências e aos feedbacks para criar mais conteúdo baseado no que o público deseja, altera gradual e involuntariamente a percepção de identidade de uma pessoa, marca ou influenciador. O apetite desenfreado por atenção faz com que a essência seja consumida pelo instante.


Uma forma de resistir às vontades do algoritmo está em saber muito bem qual é a sua essência, antes de entrar na roda da produção de conteúdo mirado exclusivamente no engajamento. Garanta que a sua imagem - a que você deseja que seu público tenha, seja a mais próxima possível do que você deseja ser, assim você será refém apenas da sua própria personalidade ou da sua persona. Em meio à tentações de jogar o jogo, algumas atitudes podem garantir que você seja dono dele.


Encontrar o seu lugar, tomando o controle do seu processo criativo e mostrando o caminho e não o contrário. Estudar onde está o seu público. Uma conta no Tiktok pode não fazer sentido para o seu negócio e replicar o conteúdo de lá no Instagram pode ser um tiro no pé para o seu engajamento, já que a rede restringe o alcance de vídeos advindos do concorrente. Entenda as forças de cada ferramenta: no Tiktok, a ferramenta de busca pode ser sua melhor amiga para descobrir as tendências que tenham a ver com o seu nicho específico. A facilidade de viralizar conteúdos mais simples nessa rede permite que você grave vídeos mais orgânicos e curtos, sem demandar muito esforço.


Já no Instagram, você pode pensar em formatos de Reels próprios e diferentes, contando com a rede de apoio para engajar e levar o conteúdo para mais gente. Entender as reclamações do movimento recente e resgatar o intuito primórdio da rede social: coisas básicas, como fachadas de lojas, pratos de comida, por exemplo.


Mas lembre-se que trends nem sempre geram demandas reais e muitas vezes são alimento para a assimilação vazia e míope do rolamento automático de feed. Veja só o exemplo do cantor Zé Filipe, uma das personalidades brasileiras que mais tem criações sendo repetidas exaustivamente pelas plataformas: precisou cancelar shows recentemente por falta de público real comprando ingressos.




E você, o que acrescentaria nessa lista?

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